De 0 a 10, quanto dói?

Os Portugueses atribuem a Dor à velhice, desvalorizando-a.

Se sente dor todos os dias há mais de três meses, pode estar doente e a doença ser a própria dor que teima em não desaparecer.

A dor crónica pode surgir associada a outras patologias que desgastam as articulações do corpo, como a osteoartrose, ou doenças cujas causas ainda estão por determinar, como a fibromialgia.

Mas é importante não desvalorizar a dor e tratar a sua origem antes que se torne permanente. A anestesiologista e presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, Ana Pedro, explicou como.
A dor crónica é definida por apresentar duração superior a 3 meses, pode ser subclassificada em primária ou secundária. A dor crónica primária é caracterizada por quadro clínico de dor e sofrimento emocional, sem outro diagnostico que esclareça a existência de dor crónica. A dor crónica secundária acompanha uma condição subjacente, por exemplo: dor crónica relacionada com cancro, dor crónica pós-operatória ou pós-traumática, dor crónica neuropática, entre outras.

A European Federation of Pain (EFIC) refere, já em 2001, que a dor crónica ao persistir para além da cura da lesão que lhe deu origem ou na impossibilidade de objetivação de lesão deve ser encarada como uma doença. A dor crónica está contemplada na International Classification of Diseases (ICD-11), adotada pela Organização Mundial de Saúde em maio 2019. Esta é a primeira versão da ICD que inclui a dor crónica.
A dor em geriatria é muito frequente. Primeiro porque os mecanismos fisiológicos que nos protegem da dor já não funcionam tão eficazmente, e depois porque com a idade vão sendo mais frequentes doenças que causam dor, como por exemplo a osteoartrose. Tradicionalmente a nossa população atribui a dor "à velhice", desvalorizando-a. Atualmente dispomos de fármacos e técnicas analgésicas seguras também para idades avançadas, que poderão significativamente melhorar a qualidade de vida destas pessoas, minorando os malefícios relacionados com a dor: como a depressão, a insónia, a imobilidade e o isolamento social.

A dor aguda está bem estabelecida no tempo, em resposta a um estímulo conhecido e autolimitada na sua duração. As suas principais funções são a sinalização de uma doença e proteção da integridade do indivíduo. Em princípio, a cura da doença que lhe está subjacente também conduz à resolução do quadro doloroso.

A dor crónica é uma doença arrastada no tempo que afeta a globalidade do indivíduo e se acompanha de um conjunto de manifestações físicas, psicológicas e comportamentais, com impacto em todas as esferas da vida de quem dela sofre. O tratamento da dor crónica não se limita à doença que esteve na sua origem (muitas vezes nem sequer é uma doença possível de tratar), devendo englobar também o tratamento das múltiplas manifestações a que deu lugar.
Tratar a dor crónica é um desafio constante e tem por objetivo não só a melhoria do quadro álgico (muitas vezes a ausência de dor não é possível), mas também facultar ao doente a máxima utilização das suas capacidades funcionais e o retorno à sua vida social e/ou profissional. A terapêutica deve ser abrangente, com recurso a técnicas farmacológicas e não farmacológicas, assim como terapia de cariz psicológico, de acordo com as necessidades do doente.
Todos os dias se abrem fronteiras de conhecimento que no futuro podem culminar no desenvolvimento de novas terapêuticas, ou mesmo melhoria das existentes, com aumento da sua eficácia e menores efeitos secundários. Há vários estudos promissores com anticorpos monoclonais e na área da terapia genética dirigida, cuja mais valia reside no potencial de contribuir para a individualização da terapêutica.

A variabilidade interindividual está presente não só na sensibilidade à dor, mas também na resposta ao controlo da dor proposta. O plano de tratamento analgésico é sempre individualizado, habitualmente multimodal (com estratégias farmacológicas, não farmacológicas e muitas vezes alterações de hábitos de vida), e é constantemente avaliado e reajustado conforme a necessidade e evolução da doença.
Os desafios encontram-se na adequação das expectativas do doente em relação à doença e ao seu tratamento, na gestão da terapêutica e na adesão às recomendações, especialmente quando envolvem mudanças de hábitos de vida.

A dor crónica tem um impacto negativo significativo na vida da pessoa, muito para além do sofrimento físico que lhe causa. A diminuição na qualidade de vida é observada em diferentes vertentes: pessoal com tendência à depressão, insónia, desespero; social com isolamento, alteração nas relações de amizade e laboral, muitas vezes com incapacidade para realizar as tarefas profissionais. Desta forma, as pessoas com dor crónica devem ser avaliadas por um profissional de saúde mental sempre que se justifique, de modo a minimizar o impacto da dor na sua qualidade de vida.

Há substâncias químicas no cérebro, como a serotonina e a noradrenalina, que são mediadores implicados tanto na depressão, como na dor. Por este motivo podem ser prescritos medicamentos antidepressivos para tratar determinados tipos de dor. Sabemos também que as pessoas deprimidas são mais vulneráveis à dor.
Embora não exista no momento um biomarcador específico e de uso clínico que permita "medir a dor", o futuro próximo poderá, pelo menos, levar-nos à identificação do risco/ susceptibilidade para desenvolver dor crónica. Outra área em grande expansão é a nível da neuroimagem que tem permitido não só caracterizar as áreas envolvidas na dor mas também identificar que neuromediadores estão envolvidos.
Sem dúvida que a dor crónica é um problema de saúde pública: em Portugal cerca de 37% da população adulta sofre com esta doença. A dor crónica está associada a uma diminuição significativa na qualidade de vida das pessoas, com custos e limitações pessoais, familiares, sociais e laborais.

No nosso país, os custos diretos e indiretos dos cuidados de saúde associados à dor são elevados. Um estudo estimou o custo total de 738,85 milhões de euros no ano de 2010, considerando apenas a lombalgia [dor na coluna lombar].
O Plano Nacional de Luta contra a Dor (PNLCD) nasceu da colaboração entre a Direção Geral da Saúde e a Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, tendo sido aprovado por despacho ministerial em 2001, com metas a atingir até ao ano 2007, como normalizar uma abordagem abrangente dos serviços prestadores de cuidados de saúde junto da população que sofre de dor aguda ou de dor crónica, promovendo o seu adequado diagnóstico e tratamento.


[Fonte: Sábado]

11-02-2020